Dedicatória

Dedicamos a todos os intelectuais que passaram vinte anos apoiando o discurso oposicionista do PT e mais de uma década apoiando os governos desse partido, apesar de tais governos terem jogado as propostas dos tempos de oposição na lata do lixo. Esses intelectuais são a prova viva de que, tal como mostramos neste livro, esse pensamento que se diz crítico não tem autocrítica e nem pensamento é.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CQD: Pesquisador "crítico" da reforma agrária assume que age como criacionista



Um dos ensaios do livro Não culpe o capitalismo comenta que os autointitulados "pesquisadores militantes" são como os criacionistas: ao invés de tomarem a observação empírica como ponto de partida para explicar os fenômenos sociais, começam com uma explicação pronta e selecionam os conceitos, dados e evidências que possam servir para comprová-la. Bem, num texto recente sobre a política de reforma agrária, Bernardo Mançano Fernandes, que assume explicitamente adotar uma perspectiva teórica anticapitalista, diz o seguinte:
[...] cientistas interpretam as realidades, procuram explicá-las e convencer outros a aplicar esses pensamentos. Para tanto, eles selecionam um conjunto de referências constituintes, como elementos, componentes, variáveis, recursos, indicadores, dados, informações etc., de acordo com suas perspectivas e suas histórias, definindo politicamente os resultados que querem demonstrar (Fernandes, 2013, p. 198).
Exatamente como queríamos demonstrar! E note-se como, na visão do autor, ele faz o mesmo que qualquer outro pesquisador faz, pois diz que esse modo de proceder é próprio dos "cientistas". Bingo! Fernandes acha que todo cientista é um militante, então isso significa que, quando os pesquisadores que discordam dele contestam suas conclusões com base em evidências empíricas, ele pode dar de ombros e dizer: "vocês selecionaram os dados e conceitos de acordo com um objetivo político estabelecido de antemão do mesmo jeito que eu; a única diferença é que eu, com base em minhas perspectivas e minha história, defendo o camponês, que é explorado, e combato o capitalismo, enquanto vocês estão do lado do agronegócio, que é explorador, e de um sistema econômico injusto...". A típica presunção de superioridade moral e/ou cognitiva que os intelectuais críticos têm.

Mas note-se que, embora diga estar ao lado dos fracos e explorados, no final das contas, ele supõe que não existe objetividade científica, pois todos os cientistas são militantes que defendem causas pré-estabelecidas com base em "suas perspectivas e suas histórias". Só que aí fica a pergunta: por que as pessoas devem acreditar que as ideias de Fernandes sobre reforma agrária estão corretas se as conclusões dele não têm objetividade? Como ele prova que a sua perspectiva e a sua história o conduzem a conclusões que devem ser aceitas como corretas enquanto as perspectivas e histórias dos autores que discordam dele conduzem a conclusões erradas? Em suma, como ele justifica que a sua verdade particular deve ser aceita como correta pelos outros se as evidências e conceitos de que se utiliza são pensados propositalmente para atingir um objetivo político? 

O dito "pensamento crítico" não passa de um amontoado de dogmas disfarçados de verdades científicas, pois os intelectuais que assim se classificam falam o tempo todo em "exploração", "dominação" e "injustiça" como se estivessem a enunciar verdades objetivas, verdades com as quais todos deveriam concordar, mas, quando confrontados com críticas que acusam a falta de coerência lógica e empírica dos seus escritos, tentam descartar essas críticas afirmando que toda ciência é o mesmo que retórica política, afirmação essa que, contraditoriamente, nega a objetividade e a validade das críticas deles ao capitalismo. 

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FERNANDES, B. M. A reforma agrária que o governo Lula fez e a que pode ser feita. In: SADER, E. (org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil, 2013.